Por:
Ema Roseli de Novaes
Lygia Helena Roussenq Neves
Curso de Especialização em Educação InfantilResumo
É primordial, para quem atua na área da Educação Infantil, a compreensão e o conhecimento das fases do desenho infantil e sua
relação com a evolução do desenvolvimento humano. Da mesma forma, é importante saber que o desenho é a manifestação de
necessidades vitais pelas quais a criança terá que passar, ou seja, conhecer e agir sobre o mundo e comunicar-se com este mundo.
O objetivo deste trabalho é refletir sobre a importância do educador nessas etapas de desenvolvimento da criança. É compreender,
ainda, que a observação é um dos meios que o educador poderá utilizar na construção desse aprendizado para fazer desabrochar
na criança um olhar sensível e pensante. Para isso, ele não poderá agir apenas como facilitador desse processo. Permeando
informações de natureza mais teórica, o educador poderá estar desafiando e incentivando, ampliando as experiências, o conhecimento
e aprimorando a capacidade de criação e de expressão artística da criança.1. INTRODUÇÃO
O nosso planeta Terra passou e vem passando por transformações.
A história do ser humano é feita de desenvolvimentos
e evoluções. Tudo no mundo tem seu tempo e sua hora. O desenho
também passa por fases e evoluções.
Ao desenhar, a criança conta sua história, seus pensamentos,
suas fantasias, seus medos, suas alegrias, suas tristezas.
No ato de desenhar, a criança age e interage com o meio, seu
corpo inteiro se envolve na ação, traduzida em marcas que a mesma
produz, se transportando para o desenho, modificando e se
modificando. Através do desenho, conta o que de melhor lhe
aconteceu, demonstrando, relembrando e dominando a situação.
Por alguns instantes, tem momentos muito agradáveis e proveitosos,
expressando sua percepção de mundo.
Cada desenho tem uma história, um significado pessoal
que, muitas vezes, o adulto interpreta de modo diferente. Devemos
lembrar que a visão da criança é diferente da visão do adulto.
O adulto, quando conduz ou interpreta uma produção infantil de
forma errônea, a vai inibindo até que perca sua capacidade de
criação.
Mas se o valor do desenho é tão perceptível, se está ligado
às necessidades e potencialidades da criança, se há uma interrelação
nos vários aspectos do seu desenvolvimento - o motor, o
afetivo e cognitivo - então, por que o educador está sempre tentando
decodificar o desenho infantil? O que pensa o educador ao
ver a produção artística de uma criança? Como entender o desenho
infantil, se o educador não possui informações teóricas? Como
preparar esses educadores para que se tornem mais sensíveis e
curiosos em relação ao desenho infantil?
Este trabalho pretende trazer alguns subsídios que permitam
ao educador tornar-se mais sensível e curioso perante uma
produção artística infantil, evitando, assim, “diagnosticar” a crianças
através do seu desenho.
Refletindo sobre as informações acima questionadas, partiremos
para uma análise da evolução do desenho infantil, através
de pesquisas bibliográficas e de comparações da visão de vários
estudiosos sobre o assunto. Pretendemos, assim, conscientizar o
professor de Educação Infantil sobre a importância de estar fundamentado
para entender como se dá o processo do desenvolvimento
infantil, na faixa etária de 0 a 06 anos de idade, fase que
acreditamos ser uma das mais importantes do desenvolvimento
humano.
2. O DESENHO INFANTIL
O desenho, para a criança, é uma continuidade entre o
objeto e a representação gráfica. A criança representa o objeto em
si, ou seja, a sua criação é diferente da criação do adulto. Ela
liberta-se das aparências e, ao mesmo tempo, pode representar o
objeto como ele é realmente, enquanto o adulto só o representa
por um único ponto de vista. Segundo Luquet, (apud MERLEAUPONTY,
1990, p.130), “ o desenho é uma íntima ligação do psíquico
e do moral. A intenção de desenhar tal objeto não é senão o
prolongamento e a manifestação da sua representação mental; o
objeto representado é o que, neste momento, ocupará no espírito
do desenhador um lugar exclusivo ou preponderante.”
Para a criança, o desenho é uma expressão de mundo e
nunca uma simples imitação ou cópia fiel porque a criança desenha
conforme o modelo interior, a representação mental que possui
do objeto a ser desenhado. O desenvolvimento infantil é como
um jogo, visto que a criança se desenvolve e se modifica conforme
a faixa etária. O mesmo acontece com o desenho: vai evoluindo
e se modificando com o desenvolvimento da criança.
Em seus estudos, Merleau-Ponty (1990) nos apresenta os
vários estágios do desenho infantil:
• Realismo fortuito – a criança procura representar o objeto
como uma totalidade.
Subdivide-se em:
a) Desenho involuntário – a criança desenha só para fazer
linhas, sendo que, nesse estágio, repete o movimento
pelo simples prazer e
b) Desenho voluntário –a criança percebe certa semelhança
entre os traços e o objeto real. Ela enuncia a interpretação
que o desenho lhe dá. Mais tarde, diz o que
pretende desenhar, mas o resultado a faz interpretar
seu desenho de forma diferente. Em outra situação, o
desenho, afinal, corresponde com a sua interpretação
inicial. Então, percebe que pode representar, através
do desenho, tudo o que deseja.
• Incapacidade sintética – a criança desenha cada objeto
de forma diferente, considerando seu ponto de vista para
diferenciá-los. Pode desenhar uma figura humana, mas
desenhar os olhos, a boca e os cabelos ao lado do corpo
como se não fizessem parte dele.
• Realismo intelectual – a criança procura desenhar não
só o que pode ver no objeto, mas todas as suas fases.
Desenha de acordo com sua noção momentânea dos
objetos.
• Realismo visual – a criança representa apenas os aspectos
visíveis do objeto. Há um aprimoramento de sistema
de desenho construído no estágio anterior.
A criança, ao desenhar, tem uma intenção realista. O realismo
evolui nas diferentes fases do desenho infantil até chegar ao
realismo visual, que é o realismo do adulto. Para o adulto, o desenho
tem que ser idêntico ao objeto. Já para a criança, o desenho,
para ser parecido com o objeto, deve conter todos os elementos
reais do objeto, mesmo invisíveis para os outros. Assim, a criança
desenha de acordo com um modelo interno: a imagem que sabe do
objeto que vê.
2.1. O DESENHO INFANTIL SEGUNDO LOWENFELD
Quanto mais auto-confiante a criança, mais ela se arrisca a
criar e a se envolver com o que faz. A criança segura se concentra
com mais facilidade nas atividades. Consegue se soltar e acreditar
no que faz. De acordo com Streinberg ( apud LOWENFELD, 1977,
p.128),
Aprender a desenhar, desenhando. Embora essa afirmação possa
parecer destituída de significado, ela é muito verdadeira: a ação de
desenhar é que é a escola do desenho. O mesmo vale para as outras
atividades artísticas: aprende-se a pintar, pintando; aprende-se a
esculpir, esculpindo: aprende-se a escrever, escrevendo, e assim por
diante.
Nenhum treino ou exercício de coordenação motora fará
com que a criança expresse sua criatividade. Uma criança segura
tem maior capacidade de envolvimento, de concentração e de
prazer em criar. É importante a ela sentir-se livre para poder expressar-
se em seus desenhos. Assim, a criança se desenvolve em
harmonia e se organiza no contexto espaço/temporal, se
posicionando frente à vida, descobrindo o significado que a vida
tem para si e percebendo-se como criadora de sua própria história.
Lowenfld (1977) estabelece três fases para o desenho infantil.
2.1.1. PRIMEIRA FASE
A primeira fase divide-se em três etapas: etapa da garatuja
desordenada, etapa da garatuja ordenada e etapa da garatuja nomeada.
Na fase da garatuja desordenada, a criança não tem consciência
da relação traço-gesto; muitas vezes, nem olha para o que
faz. Seu prazer é explorar o material, riscando tudo o que vê pela
frente. Segura o lápis de várias formas, com as duas mãos ou
alternando. Não usa o dedo ou o pulso para controlar o lápis. Faz
movimentos de vaivém, vertical ou horizontal; muitas vezes, o
corpo acompanha o movimento.
Na fase da garatuja ordenada, a criança descobre a relação
do gesto-traço. Passa a olhar o que faz, começa a controlar o
tamanho, a forma e a localização do desenho no papel. Descobre
que pode variar as cores. Começa a fechar suas figuras em formas
circulares ou espiraladas. Perto dos três anos, começa a segurar o
lápis como o adulto. Copia intencionalmente um círculo, mas não
um quadrado.
Na etapa da garatuja nomeada, a criança faz passagem do
movimento sinestésico, motor, ao imaginário, ou seja, representa
o objeto concreto através de uma imagem gráfica. Distribui melhor
os traços no papel. Anuncia o que vai fazer, descreve o que
fez, relaciona o desenho com o que vê ou viu, sendo que o significado
do seu desenho só é inteligível para ela mesma. Começa a
dar forma à figura humana.
2.1.2. SEGUNDA FASE
Na segunda fase - a pré-esquemática -, os movimentos
circulares e longitudinais da etapa anterior evoluem para formas
reconhecíveis, passando de conjunto indefinido de linhas para
uma configuração representativa definida. A criança desenha o
que sabe do objeto e não uma representação visual absoluta;
seus desenhos apresentam características, não porque possuam
uma forma de representação inata, mas sim porque está no começo
de um processo mental ordenado.
2.1.3. TERCEIRA FASE
Na terceira fase, chamada esquemática, a consciência da
analogia entre a forma desenhada e o objeto representado se afirma.
Nessa fase, a representação gráfica é muito mais tardia que a
lúdica verbal, enquanto a brincadeira simbólica e a linguagem já
estão bem formadas. A criança já constrói grandes cenas dramáticas
brincando, mas só nessa fase começa a organizar seus desenhos.
A representação das figuras humanas evolui em
complexibilidade e organização.
De acordo com a abordagem construtivista, o conhecimento não
está pré-formado no sujeito, nem está totalmente pronto, acabado,
determinado pelo meio exterior, independente da organização do
indivíduo. A aquisição de conhecimento processa-se na troca, na
interação da criança com o objeto a conhecer. Em outras palavras,
o ato de conhecer parte da ação do sujeito sobre o objeto, só se
efetua com a estruturação que ele faz dessa experiência. Isso significa
que o conhecimento é adquirido não pelo simples contado da
criança com o objeto cognoscente, mas pela atividade do sujeito
sobre esse objeto, a partir do que ele aprende, do que ele retira, do
que organiza da experiência (PIAGET, 1976, p.47).
2.2. O DESENVOLVIMENTO DO DESENHO
INFANTIL SEGUNDO MIRIAN C. MARTINS,
GISA PICOSQUE E MARIA T.T. GUERRA
As autoras estão fundamentadas na teoria das múltiplas
inteligências formulada pelo pesquisador norte-americano Howard
Gardner, psicólogo da universidade de Harward. Na visão de
Martins; Picosque; Guerra (1998), o desenvolvimento do desenho
infantil, divide-se em quatro movimentos. Para as autoras
mencionadas, esses movimentos não são estágios, não delimitam
território de maneira precisa, definida. São movimentos que mantêm
sua essência, sendo maleáveis e modificando-se mediante as
intervenções externas, ou seja, pelo meio sócio-cultural, pela família
e pelo educador.
Há necessidade de que haja uma compreensão desses
quatro movimentos e de tudo que os envolvem porque cada um
tem sua beleza e significação. Estudá-los é estar se fundamentando
para poder fazer uma boa leitura da expressão artística da criança.
2.2.1. O PRIMEIRO MOVIMENTO
Ação = Pesquisa = Exercício
A criança olha, cheira, toca, se move, experimenta, sente,
pensa. Desenha, canta, sorri, chora; faz tudo usando todo o corpo.
O corpo é a ação, é o movimento. Seu movimento se dá na
ação, na percepção, envolvido sempre pelo sentimento. A criança
sente, reconhece e cria, mas ainda não é um criador intencional;
essa criação focaliza a própria ação, o exercício, a repetição. Ela se
arrisca porque não tem medo, está aberta a todas as experiências,
vive intensamente. Com a influência dos objetos e das pessoas,
ela fará sua leitura e constituirá sua compreensão de mundo.
O rabiscar se estende além do lápis, do giz e do pincel. Na areia ela
rabisca estradas com os carrinhos de brinquedo. O rabisco não tem
nenhuma finalidade estética, enquanto produto: a criança não rabisca
com intenção de fazer bonito ou expressivo, mas pelo simples
prazer de rabiscar. O rabisco é, de fato, o registro de um movimento,
que serve de ‘feedback’ para a criança aprender a controlar seus
movimentos. Portanto, os rabiscos da criança não são artes abstratas
( ZILBERMENN, 1990, p.156).
Seu pensamento em ação, sua pesquisa, é exercitada através
do exercício gestual que se manifesta em garatujas que, nesse
momento, não têm significado simbólico. Esses rabiscos, de início,
são incontrolados e, geralmente, longitudinais. Dos rabiscos
nascem formas circulares, triangulares, quadrangulares, irregulares.
Esses diagramas vão combinando, se agregando, compondose.
As formas vão se tornando cada vez mais complexas.
Gardner (apud MARTINS; PICOSQUE; GUERRA, 1998), o
autor da teoria das inteligências múltiplas, vê, no primeiro movimento,
uma forma de conhecimento intuitivo, construída a partir
da interação com o objeto físico e com outras pessoas, adquirido
através do sistema de percepções sensoriais e interações motoras,
estimuladas pelo mundo externo, mesmo em crianças com dificuldades
ou limitações físicas.
2.2.2. SEGUNDO MOVIMENTO
Ação = Pesquisa = Exercício = Interação = Símbolo =
Esse segundo movimento vai se estruturando enquanto
se descola de aspectos do primeiro. As mudanças vão ocorrendo,
na descoberta cada vez mais confirmada de que tudo que está no
mundo tem nome, tem significado, tem um porquê.
A criança dá nome aos seus rabiscos, ao perceber que eles se perecem
com alguma coisa. Esta é uma etapa intermediária, para uma
fase posterior, a criança começa a representar. A representação
“representa” algo para a criança, mas não tem intenções naturalistas.
Isso dá muitas vezes, aos adultos a impressão que não ficou
parecido. Muitas vezes aparecem no papel coisas que, aparentemente,
não tem nada a ver entre si, ou as partes das mesmas coisas
podem aparecer separadas, soltas no espaço. Organizar as coisas no
espaço é um processo demorado, que depende do próprio desenvolvimento
da criança e não pode ser imposto de fora para dentro
(ZILBERMANN, 1990, p.157).
O ser humano tem por natureza buscar significações da
própria vida, e isso nasce dessas primeiras descobertas. Não apenas
registramos os estímulos externos, mas pensamos para agir
sobre eles.
O segundo movimento expressivo é denominado simbólico.
A função simbólica é o centro do processo de aprendizagem,
representa os objetos, as ações sobre eles; também representa
seus conceitos.
São representações sobre representações. Fingir beber em
uma xícara vazia, por exemplo, representa um significado e tem
uma função lúdica e comunicativa, implicando uma conversa interna,
tornada possível pela interiorização da ação expressada,
pelas representações verbais, visuais, gestuais, sonoras.
No desenho, essa passagem se dá lentamente. Dos rabiscos
e das pesquisas de formas nascem as primeiras tentativas de
letras – diferenciando escrita de desenho – e as primeiras figuras
humanas. A representação centra-se no manejar e construir símbolos
em si. Não há preocupação com a organização das cenas no
papel; seus desenhos parecem soltos no espaço.
Os símbolos construídos pelas crianças através do ver,
pensar e sentir o mundo, são pautados nas suas referências pessoais
e culturais, nos registros de suas preferências e prioridades,
nas características estruturais globais que enfatizam ou excluem.
2.2.3. O TERCEIRO MOVIMENTO
Ação = Pesquisa = Exercício = Interação = Símbolo = Organização
= Regra =
Chamada a idade de ouro do desenho, a fase em que a
criança vive e elabora soluções criativas para expressar o espaço,
a sobreposição, o que tem por baixo ou por trás das coisas, criando uma lógica e uma coerência perfeitamente adequadas aos seus
intentos. A criança tem a intenção de buscar semelhanças em
suas representações, procurando convenções e regras com certa
exigência. A criança vive intensamente a leitura e a produção significativa
do mundo. Há uma realidade que está presente no próprio
desenho, que ganha uma vida interna, reflexos de percepções,
sentimentos e pensamentos.
Organizar as coisas no espaço significa localizar em cima, ao lado de
cá e ao lado de lá (que depois a criança vai nomear de esquerdo e
direito). A criança mostra que é capaz de organização, representando
a linha da terra, o chão (...) Outro limite de espaço que as
crianças costumam representar é o céu, que aparece como se fosse
um teto e não uma massa de ar. Nesta fase em que as crianças
começam a representar, ela vai também começar suas primeiras
construções: uma madeira e um prego formam um rádio (...)
(ZILBERMANN, 1990, p.157)
O aparecimento do chão representa um avanço considerável
na compreensão desse conceito, tendo concreta e profunda
relação em suas interações com o mundo, as pessoas e os objetos.
A busca pela representação mais realista muitas vezes traz o
medo, a preocupação em fazer bem feito, levando a criança a usar
a borracha. A escolha da cor também obedece à regra e à organização.
As escolhas devem ter a cor da realidade, e as convenções
ditam essas regras. As copas das árvores são sempre verdes ou
o céu sempre azul.
O terceiro movimento expressivo nos mostra a invenção
de relações e regras que geram critérios próprios, na busca de
soluções criativas que vão alimentando um pensamento criado
com maior autonomia. Quem não produz e inventa idéias, dificilmente
consegue encontrar soluções criativas para resolver as
dificuldades do cotidiano.
2.2.4. O QUARTO MOVIMENTO
Ação = Pesquisa = Exercício = Interação = Símbolo = Organização
= Regra = Poética = Pessoal
Duas marcas são representativas na adolescência: o problema
de identidade e a gênese do pensamento formal. Quem sou
eu? Para onde vou? Que profissional quero ser? São as questões
básicas do adolescente que vive a construção de sua própria
identidade.
Na produção artística–estética, contracenam, em oposição
ou em alternância, o prazer de manejar e explorar, a ótica pessoal
de ver – pensar – sentir o mundo, a procura de um estilo
pessoal, mesclando estratégias pessoais com gramáticas culturais,
construindo sua poética; ou o medo de se expor, a preferência
pela repetição de formas conquistadas, a busca de modelos, o
sentimento de incompetência, a obediência ou abandono de tarefas
sem significado.
2.3. DESENVOLVIMENTO INFANTIL E
ETAPAS EVOLUTIVAS DO DESENHO
Partindo da pesquisa bibliográfica sobre o desenho infantil,
podemos observar que, embora a abordagem e a nomenclatura
usada variem, não existem divergências profundas entre os autores
mencionados anteriormente no que diz respeito à expressão
gráfica da criança.
O desenho infantil é composto por fases, etapas, estágios,
movimentos, qualquer que seja a nomenclatura usada para definir
que o desenho evolui conforme o próprio crescimento da criança,
dentro do seu processo de desenvolvimento como ser humano.
Ou seja, as garatujas ou os rabiscos aparecem na fase sensóriomotora,
etapa da teoria do desenvolvimento humano desenvolvida
pelo estudioso Jean Piaget, onde a criança explora materiais e
movimentos, não na fase pré-operatória, onde a criança começa a
construir e a representar. Segundo Fischer, (2003,p.15),
A cada novo mundo criado, também são criados obstáculos específicos
que precisam ser resolvidos e vivenciados, e a diversão desses
mundos está exatamente em resolvê-los superando as expectativas
e as ansiedades criadas. Nestes mundos as crianças podem se dar ao
luxo de errar para avaliar o resultado, sem medo de punição que
agregue sofrimento.
Essas etapas do desenvolvimento infantil devem ser
vivenciadas pelas crianças, fase a fase, senão pode haver uma
lacuna no desenvolvimento que, mais tarde, precisará ser trabalhada.
Devemos sempre lembrar que a criança é um ser em desenvolvimento
como nós, adultos, também o somos, e viver é estar se
transformando.
2.4. A IMPORTÂNCIA DO PROFESSOR NESSE PROCESSO
O conhecimento das etapas evolutivas do desenho infantil
fornece ao educador mais um instrumento para compreender as
crianças. Somando esse conhecimento à análise constante dos
seus trabalhos e considerando sempre o significado mais profundo
do ato de desenhar como expressão de idéias e sentimentos, o
educador poderá orientar suas ações pedagógicas relacionadas
às atividades de desenho elaborando propostas de trabalho que
incorporem as atividades artísticas, as quais não precisam ser
espontâneas das crianças. O fato de ser escolhida pelo educador
não tornará essa atividade expressiva. O desenho infantil poderá
ser colocado para a criança através de uma história bem contada,
de um passeio, de algo ocorrido em sala, de brincadeira, de faz-deconta,
de jogos, de cantigas, etc.
A relação inusitada olho/cérebro/mão/instrumento/gesto/traço
redimensiona o ato de desenhar e o jogo é acrescido de novas regras.
O olho conquista novos espaços, tentando por vezes dominar os
gestos. Os olhos comandantes traz do trunfo do campo. A criança
passa a perceber os limites especiais do papel: o dentro e o fora, o eu
e o outro, o campo da representação e o campo da realidade. O
discernimento do campo retangular do papel, onde tudo pode acontecer,
inaugura a era do faz-de-conta. Inaugura-se o jogo. Desenhar
é atividade lúdica, reunindo como em todo o jogo, o aspecto
operacional e o imaginário. Todo o ato de brincar reúne esses dois
aspectos que sadiamente se correspondem. A operacionalidade envolve
o funcionamento físico, temporal, espacial, as regras; o imaginário
envolve o projetar, o pensar, o idealizar, o imaginar situações.
Ao desenhar, o espaço de papel se altera. (DERDYK, 1989,
p.71).
O que faz com que a criança se expresse criativamente é a
liberdade física e mental. Por esse motivo, é muito importante que
o conteúdo seja acessível e significativo, que seja proposto de
forma que a criança expresse seus pensamentos livremente, tendo a autonomia necessária para criar.
Segundo Pillar (1996), ao observar o desenho de uma criança,
podemos aprender muito sobre o seu modo de pensar e
sobre as habilidades que possui. Quando, em um desenho, os
braços de uma figura humana saem da cabeça e não do tronco,
por exemplo, significa que a criança ainda não tem construído
interiormente, em seu pensamento, o esquema corporal de uma
figura humana. Isso nada tem a ver com o fato de ela não estar
enxergando direito, de estar com problemas de motricidade fina,
ou ainda, de não estar apta a desenhar com destreza. Desenhar
figuras humanas possibilita à criança estruturar suas idéias sobre
a figura humana.
No mesmo sentido, quando as crianças escrevem letras e
algarismos espalhados, representa o que têm construído sobre as
relações espaciais, se direita/esquerda ou em cima/embaixo. Não
existe “o todo” integrado em seu pensamento; o desenho ou a
escrita refletirá a forma que ela tem de ver o mundo, e não aquela
que a maioria dos adultos considera correta.
O papel do educador é muito importante nesse processo.
Ele não é apenas um facilitador. É alguém que deverá desafiar,
incentivar, procurar ampliar as experiências e os conhecimentos
da criança. Com a criança pequena, o educador não necessitará
utilizar-se de técnicas muito elaboradas.
É importante que a criança tenha oportunidade de desenhar
livremente, em papéis e em tamanhos e texturas diferentes,
em posições variadas, com materiais diversos. Quando a criança
vai dominando seus movimentos e gestos, as propostas devem
ser diferentes: desenhar em vários tempos e ritmos, fazer passeios
e expressar o que observou no papel, incentivar o desenho coletivo,
desenhar as etapas percorridas após uma brincadeira ou
jogo e muitas outras podem ser feitas com a criança para ajudá-la
a aprimorar suas capacidades de desenhar. Os educadores que
vivem diariamente com essas crianças vão sendo também incentivados
por elas a criar, sempre e cada vez mais, novas atividades.
Segundo Neves (2003),
Criar brincando – esse o duplo verbo que traduz o dia-a-dia da infância.
A maturação de si em borboleta, o pousar no sol, o estar além de
estrelas. Em um único gole, sorve a água de todos os mares, mais
três cachoeiras, mais nove riachos. Em seu íntimo cessa toda e
qualquer guerra. Fala em idiomas incríveis, num linguajar que flui do
espírito. A criança se guia pelo Deus que lhe habita, dentro. Pode
tudo o que adulto não pode (ou não se permite): ser criança, por
exemplo.
O educador deve entender que o desenho da criança dependerá
também do meio em que vive, se tem oportunidade de ter
acesso a materiais e atividades que permitam e incentivem a sua
expressão artística. Deve, também, respeitar o ritmo de cada criança,
a maneira como sua obra está evoluindo, porque cada criança
tem um tempo e uma maneira de internalizar suas experiências e
vivências.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Levantadas questões nesta pesquisa, percebemos que
existe uma estreita relação entre as fases do desenho infantil e as
etapas evolutivas do desenvolvimento humano.
Buscando respostas ao analisar os vários autores citados,
tomamos conhecimento de que há uma relação nas abordagens
das pesquisas realizadas, não existindo divergências profundas
entre esses pensadores.
Dessa forma, é importante mencionar que o conhecimento
das fases do desenho infantil deve contribuir para a construção
do imaginário das crianças, sendo mais um recurso que o educador
poderá utilizar para melhor compreendê-las. Somando conhecimento,
análise e compreensão da produção infantil, o educador
perceberá o significado mais profundo do ato de criar, expressão
das idéias e dos sentimentos da criança.
Considerando o prazer que a criança possa sentir com o
seu gesto, além de estar construindo sua noção espacial e desenvolvendo
em suas ações, habilidades motoras, através de todo
esse processo, o educador poderá orientar suas ações pedagógicas
com relevância, mérito e qualidade.
4. REFERÊNCIAS
FISCHER, Julianne. O lúdico e a abstração. Curso de especialização
em Educação Infantil. 15p. Apostila. Indaial: ICGP, 2003.
LOWENFELD, Viktor. A criança e sua arte. 2 ed. São Paulo: Mestre
Jou, 1977.
MARTINS, Mirian Celeste. PICOSQUE, Gisa; GUERRA, Maria T.
Telles. A língua do mundo: Poetizar, fluir e conhecer arte. São
Paulo: FTD, 1998.
MERLEAU-PONTY, Maurice. Merleau-Ponty na Sorbone. Resumo
de cursos filosofia e linguagem. Campinas: Papirus, 1990.
NEVES, Lygia Helena Roussenq. O impulso criativo da infância.
Curso de especialização em Educação Infantil. Apostila. Indaial:
ICGP, 2003.
PIAGET, Jean. A equilibração das estruturas cognitivas. Rio de
Janeiro: Zahar, 1976.
PILLAR, Analise Dutra. Desenho & escrita como sistema de representação.
Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.
PILLAR, Analise Dutra. Desenho e construção do conhecimento
na criança. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.
ZILBERMANN, Regina (org.). A produção cultural para a criança.
Porto Alegre: Mercado Aberto, 1990.