quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

O Desenvolvimento da Criatividade e da Percepção Visual, por Fernanda de Morais Machado

"Para nós, designers, a criatividade é a principal ferramenta.
Devemos saber como usá-la, como aproveitá-la integralmente, pois é ela que move nosso trabalho. É ela que representa o grande diferencial em um projeto de design.
Planejamento e criatividade são os dois fatores que determinam a qualidade de um projeto. O planejamento é uma técnica. Formalmente, começa com a detecção de um problema ou uma questão. Depois de observá-la, faz-se uma pesquisa sobre o tema.

Assimiladas as informações coletadas, geram-se alternativas para a solução do problema, e o projeto se desenvolve. Já a criatividade é o fator que dá a personalidade, a vida e a alma ao projeto. Nesse artigo, pretendo trazer um estudo sobre a criatividade,
de onde ela vem, e também indícios sobre onde ela foi parar.

É comum ouvirmos as pessoas dizerem que não têm criatividade. Isso não é verdade. Apenas em algumas pessoas ela está mais aflorada do que em outras. Todos nós nascemos com criatividade, a diferença é o que fazemos com ela.
Para entender melhor esse processo, precisamos voltar à infância, e estudar como o desenvolvimento da criatividade ocorre nas crianças. O processo se manifesta claramente nos desenhos infantis, primeiro registro concreto
da expressão pessoal. Os desenhos infantis contêm
uma originalidade e um frescor de concepção que é a própria essência da infância. As crianças menores,principalmente, expressam suas idéias, pensamentos e emoções com uma espontaneidade invejada por muitos artistas. O desenho das crianças é feito de maneira mais inconsciente, sem a preocupação do que os observadores
irão pensar. A criança desenha por puro prazer. Até certa idade, ela não é limitada pelas barreiras exteriores que nos são impostas, as cobranças da família ou da sociedade. O que vale é a pura expressão pessoal. Daí os desenhos serem mais criativos. O que torna a arte expressiva é a manifestação do “eu”, e suas reações subjetivas ao meio.

De acordo com os autores Lowenfeld e Brittain, no livro “O Desenvolvimento da Capacidade Criadora”, o desenho infantil passa por algumas fases de desenvolvimento. Por volta dos dois anos de idade já são feitos os primeiros rabiscos. A criança está livre das influências externas. Suas garatujas são realizadas pelo puro prazer cinestésico, pela possibilidade de poder registrar
os movimentos. Aos poucos as linhas vão ficando mais controladas, conforme a criança adquire um controle
visual sobre elas. O pensamento deixa de ser cinestésico
para ser imaginativo quando a criança relacionar as garatujas a elementos do seu meio. Essas são as primeiras
manifestações de suas experiências sensoriais, e é o desenvolvimento da base para a retenção visual.
A partir dos quatro anos, surgem as primeiras experiências
representativas. Ainda que sejam ligadas às garatujas, não impedem a identificação dos elementos que estão sendo representados. Nessa fase, o desenho é a oportunidade da criança organizar suas experiências, convertendo o pensamento em forma concreta. O importante
não é o aspecto externo dos desenhos, mas o processo
total de criação. Não se deve estabelecer técnicas e padrões.
Por volta dos sete anos, a criança está começando a estruturar seus processos mentais de tal forma que pode começar a ver relações em seu ambiente. Os desenhos
são estruturais e esquematizados. Para isso, as crianças lançam mão da perspectiva afetiva, rebatimento,

As primeiras experiências representativas
decorrem, naturalmente, das garatujas infantis.

Visão de raio X e representação simultânea de tempo e espaço como recursos.
Entre os nove e doze anos, a criança deixa de lado a repetição dos mesmos símbolos. Ela adquire auto-crítica e também consciência do ambiente natural. Passa a se preocupar com proporções e profundidade. Ainda de acordo com o livro, “(...) entre os doze e os quatorze anos, alguns jovens já têm o sentimento de serem adultos, mas seus desenhos são apreciados como algo infantil. Isso lhes causa um grande choque.” Assim, a criança se torna muito crítica em relação aos seus trabalhos, devido à pressão que ela sente para que ele se conforme aos padrões adultos de comportamento. Isso pode sufocar seus impulsos criadores. A ânsia e crescer gera uma certa vergonha na criança em relação aos seus desenhos. A criança
não quer ser vista como criança, e sim como adulto, merecedor de respeito perante a sociedade. Assim, a criança
sente-se envergonhada de seus desenhos ainda

infantis, e acaba por reprimi-los, e reprime sua vontade de desenhar e de se expressar livremente.
O papel do professor de Artes é extremamente importante
nesse processo. É ele que está sempre presente, observando o desenvolvimento de cada criança, orientando-
o e direcionando-o. Segundo Lowenfeld e Brittain, o professor deve ter sempre em mente que não se deve impor
padrões e regras a serem seguidos, estabelecer algo supostamente correto, “bonito” ou “feio”. Essas seriam restrições à capacidade criadora e, conseqüentemente, inibiriam a expressão individual da criança e sua auto-afirmação. É preciso ajudar as crianças a desenvolver a confiança na auto-afirmação, propiciada pela expressão artística. O desenho infantil deve ser estimulado não com a intenção de ensinar as técnicas para as crianças, mas pelo fato de este ser
um importante processo de aprendizagem.
É a oportunidade dela se expressar, de expor de forma concreta seus pensamentos e sentimentos. À medida que a criança desenha, ela aprende, pois assim ela organiza e concretiza seus pensamentos. Ao mesmo tempo em que lhe dá autoconfiança por estar construindo e se expressando livremente.
De acordo com Maria Helena Guerra, professora do núcleo de artes do Colégio George Pfinsterer, as etapas do desenvolvimento do desenho infantil, propostas no livro mencionado, de fato existem, mas não de uma maneira tão rígida, tão atrelada às faixas etárias. Essa divisão é feita
por questões didáticas. Geralmente uma etapa sucede a outra, mas não com uma data marcada para começar e acabar. Algumas crianças se desenvolvem com mais rapidez
do que outras. Também existem casos de crianças que pulam certas etapas. Exemplificando, podemos relatar um caso concreto. Durante uma aula da professora Maria Helena, observamos os desenhos feitos por duas meninas,
uma de cinco e outra de sete anos de idade. As duas fizeram seus respectivos desenhos estando juntas em sala de aula. A semelhança na tentativa de organização é bastante nítida. Fizeram uma menina no primeiro plano, enfatizando o rosto, e com uma parte do tronco. Usaram o mesmo esquema para representar o cabelo, e com o mesmo tipo de faixa na cabeça. O desenho da menina de cinco anos era muito mais desenvolvido do que o da de sete, que possivelmente foi quem copiou. As proporções no desenho da mais nova eram muito mais próximas das reais, como o tamanho do corpo em relação ao tamanho da cabeça, o tamanho dos olhos, do nariz e da boca. Estes elementos do rosto estavam corretamente posicionados. Todo o espaço da folha foi bem aproveitado, pois o rosto estava posicionado no centro ótico. Já o desenho da menina
de sete anos era bastante desproporcional. O corpo era muito menor do que a cabeça, os braços eram curtos
demais, os olhos, nariz e boca também eram muito pequenos e mal posicionados no rosto, além de terem um formato mais primitivo. A ocupação da folha de papel foi mal planejada. A cabeça estava localizada no centro geométrico da folha, gerando uma grande área vazia no topo do papel, que foi preenchida com outros elementos aleatórios.
Obviamente a menina de cinco anos tem uma percepção
visual muito mais desenvolvida do que a da menina
de sete. Cai por terra a rigidez proposta por Lowenfeld em sua teoria. A questão é que, na prática, é impossível
para o professor saber qual é causa do maior ou menor desenvolvimento da capacidade visual de uma criança. Cabe a ele detectar as deficiências e tentar corrigi-las com seus exercícios.
O que diferencia um desenho pertencente a uma fase ou outra do desenvolvimento é o nível de sofisticação
se o desenho é mais ou menos elaborado. Isso, na verdade, é um reflexo da maior ou menor apuração da percepção visual da criança autora do desenho. A percepção
visual e a criatividade se desenvolvem paralelamente. Existem exercícios tanto para um quanto para outro. Segundo
a professora Maria Helena, nada do que criamos surge do nada. Tudo que criamos vem de alguma experiência
anterior, vem de algo que usamos como referência,
ainda que de maneira inconsciente. Isso também vale para as crianças, que comumente desenham cenas do seu cotidiano. Sendo assim, é preciso que a criança saiba observar ao máximo aquilo que está à sua volta pra que ela possa criar cada vez mais.
Quando a criança começa a desenhar alguma coisa, um carro por exemplo, a partir daí ela vai observar
com mais atenção os carros em seu dia a dia. O ato de desenhar o carro, e o resultado final do seu desenho, lhe despertam a atenção sobre o tema carro. Se ela se acostumar a observar os carros com mais atenção a cada detalhe, isso vai contribuir para que ela desenvolva a sua percepção visual. Além disso, quanto mais ela observar, mais informação ela vai reter, maior será o seu repertório visual. Conseqüentemente, maior será a sua capacidade de criar.
Por isso, a maior preocupação de Maria Helena em suas aulas é fazer com que as crianças observem o ambiente à sua volta e os seus trabalhos com mais atenção.
E, principalmente, que reflitam sobre o que estão vendo. Como ela diz, fazer com que eles “olhem, vendo”. O ato de desenhar, antes de tudo, depende do ato de observar, pois as crianças também precisam ter suas referências para criar.
A criatividade infantil tem origem e reflexo no próprio desenho. A partir dele a criança aumenta sua percepção. Isso desenvolve sua criatividade, que vai se refletir no próprio desenho.
O desenho infantil encanta e desperta o interesse dos adultos pela sua criatividade e pela inocência da mais pura expressão. É curioso o fato de que em trabalhos de ilustração, adultos resgatam a linguagem do desenho infantil,
encantados pela sua inocência e simplicidade que dão expressividade ao desenho. É o caso de Paul Rand, por exemplo. Seu design era bastante moderno para a época. Em 1956, Rand ilustrou o primeiro de quatro livros infantis de Ann Rand, sua segunda esposa, chamado “I know a lot of things”. Em 1957 ilustrou “Sparkle and spin”, em 1962, “Little 1”, e em 1970, “Listen! Listen!”. Seus livros seguiam a mesma linha de design e ilustração que usava em seus cartazes publicitários. A inspiração nos desenhos infantis, simples e descompromissados, se fazia
presente, sempre carregados com humor. Nos livros infantis, os desenhos eram um pouco menos sofisticados.
Eles eram simplificados para facilitar a caracterização. Seu trabalho em capas de livros já era bastante solto e expressivo. Com os livros infantis, seu trabalho era feito à velocidade do inconsciente, o que lhe oferecia mais liberdade
para exercitar seu espírito lúdico.
Sabemos que a importância da criatividade vai muito além do próprio desenho. É das idéias mais inusitadas
e criativas, dos brainstorms que nascem as grandes idéias que vão melhorar a nossa sociedade e gerar melhores condições de vida, com mais conforto e eficiência. Por isso devemos quebrar as barreiras que nos foram impostas
desde a nossa infância. Não devemos inibir nossa idéias diferentes, nossa livre-expressão. Maior será a criatividade
de um projeto quanto mais pura for a expressão pessoal, livre das barreiras. Somos todos diferentes uns dos outros. Não pensamos e, principalmente, não nos expressamos da mesma forma. Devemos aceitar essas diferenças e enfatizá-las, a fim de realizar um trabalho mais autêntico."


Bibliografia:
LOWENFELD, Viktor.; BRITTAIN, W. Lambert. Desenvolvimento
da capacidade criadora . São Paulo : Mestre Jou 1977. 448p.
HELLER, Steven. Paul Rand. New York: Phaidon 1999. 255p.
Sites:
www.angela-lago.com.br - visitado em setembro de 2005

fonte: http://www.dad.puc-rio.br/dad07/arquivos_downloads/37.pdf

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